terça-feira, 19 de novembro de 2013

'Teatro me fortalece', diz Taís Araújo, em cartaz com 'Caixa de Areia' em SP

Depois de grandes sucessos nas telenovelas, Taís Araújo volta aos palcos na peça ‘Caixa de areia’ para interpretar uma dona de casa dos anos 50 que vive para a família, mas sonha com a liberdade. “O teatro é o que me fortalece, eu volto para a novela muito melhor”, afirma a atriz.
Ela conta que o espetáculo, escrito e dirigido por Jô Bilac, foi construído de forma colaborativa. No início dos ensaios, havia apenas três páginas de texto. “É um processo muito autoral de todo mundo, tem muito da nossa identidade. A gente foi construindo conforme foi ensaiando”, aponta Taís, para quem o autor é um dos talentos da nova dramaturgia brasileira.
A atriz revela ainda que a peça que está em cartaz em São Paulo é completamente diferente da versão que foi encenada em Aracaju, na estreia, ou no Rio, onde ficou longo tempo. “O teatro já é um processo vivo. Com o autor vivo e dirigindo, é vivo demais”, brinca. Ela se lembra da vez em que recebeu de Bilac um e-mail com alterações para a apresentação do fim de semana seguinte. “Eu tinha duas páginas de texto, um monólogo! A mudança foi drástica”, recorda.

Taís Araújo mergulha no caótico do coletivo teatral em busca de identidade e autonomia artística

tais araujo foto bob sousa 20133 Taís Araújo mergulha no caótico do coletivo teatral em busca de identidade e autonomia artística

Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos de Bob Sousa
 
Assim que Bob e eu chegamos ao CIT-Ecum percebemos que os primeiros preparativos para a estreia de Caixa de Areia, de Jô Bilac e dirigida por ele com Sandro Pamponet, na noite deste sábado (9), estão sendo tomados. É fim de tarde de sexta-feira (8). O som das buzinas do trânsito que para na descida da rua da Consolação invade a coxia do teatro, onde o contrarrega Marcel Formiga termina de pintar uma escada de preto.
Logo, Taís Araújo surge detrás do vidro da entrada, sob o sol forte, voltando do almoço. Eu mesmo vou abrir a porta. “Olha você aí, Miguel. Quanto tempo!”, ela diz, abrindo o sorriso. Corre para deixar a bolsa no camarim e volta pronta para nossa entrevista. Porque no teatro as coisas são bem mais simples. E verdadeiras. Não faz falta o glamour fabricado das estrelas da TV.
E Taís Araújo já entrou para a história da televisão. Prestes a completar 35 anos no próximo dia 25, aos 17 foi a primeira atriz negra a protagonizar uma novela, Xica da Silva, exibida pela Manchete em 1996 e depois sucesso em diversos países. Repetiu também o feito na Globo, em Da Cor do Pecado, folhetim de 2004.
Mas, aqui, ela é apenas uma atriz de teatro. Pede para subirmos ao café, no segundo andar, que está vazio, para o papo fluir com mais calma. Escolhe uma cadeira onde bate o sol. Assim começamos esta entrevista exclusiva.



Leia com toda a calma do mundo:
tais araujo foto bob sousa 20131 Taís Araújo mergulha no caótico do coletivo teatral em busca de identidade e autonomia artística Miguel Arcanjo Prado – Taís, nossa última conversa foi em 2007, quando você fazia O Método Gronholm, no Teatro das Artes, e Os Solidores, com o André Fusko, no Espaço dos Parlapatões, aqui em São Paulo...
Taís Araújo – É verdade, faz um tampão. Eu me lembro que você tinha acabado de chegar em São Paulo, né?
 
Pois é... E por que ficou tanto tempo longe de São Paulo?
Acho que foi por conta da correria, mesmo. A peça Amores, Perdas e Meus Vestidos só veio para Santo André, mas não fizemos São Paulo. Eu já estava com sete meses do João Vicente [filho da atriz com o marido, o ator Lázaro Ramos] e não podia viajar mais de avião. Mas eu nem me lembrava que fazia tanto tempo assim...
 
Qual sua relação com o teatro de São Paulo?

 Olha, sempre que venho, com exceção da peça que fiz com o Fusko, venho com atores do Rio. Eu sou carioca. Mas o que fica de São Paulo sempre é essa riqueza cultural. Tem teatro para todos os tipos de público. E aqui as pessoas assistem ao teatro e gostam. Acho que ir ao teatro faz parte dos paulistanos.
 
Como você foi parar nesta turma do Jô Bilac, que faz um teatro mais alternativo no Rio?
A aproximação rolou porque eu queria fazer um espetáculo antes de voltar a fazer novela [ a última da atriz foi Cheias de Charme, em 2012]. Aí, minha produtora me apresentou ao Jô Bilac. Eu já tinha visto peças dele e gostado muito. Ele me falou dessa história de Caixa de Areia, sobre uma crítica que reencontra sua história. O que mais me pegou foi que ele propôs ir escrevendo a peça conformes fôssemos ensaiando. No começo, só havia três páginas de texto.
 
E você gostou desse processo colaborativo?
Adorei. É importante fazer coisas diferentes. No nosso processo, todo mundo teve voz ativa. É caótico isso, mas também todo mundo é dono. Você ganha autonomia, exercita o lado criativo.
 
Você acha o diálogo no teatro mais livre que na TV? Olha, na televisão existe diálogo. Eu sempre criei meus personagens com ajuda do diretor, da figurinista... Não é tão solitário como muita gente pensa. Pelo menos para mim, eu sempre preciso do coletivo. A diferença do teatro é que aqui a voz de todo mundo tem o mesmo peso, não tem a hierarquia da TV.
 
Por que vocês escolheram o CIT-Ecum?
A nossa maior preocupação era ir para o teatro certo. A peça é intimista. Quem conhece as pecas do Jô Bilac já sabe o que vai encontrar. Esse teatro encaixa com a gente. Todo mundo fala muito bem daqui. Que é o teatro perfeito para nosso espetáculo.
 
Você vai ficar morando em São Paulo por um tempo?
Não. Venho toda sexta e volto toda segunda, porque aqui o horário de teatro no domingo é mais tarde, né? Vocês em São Paulo fazem às oito da noite. O Lázaro vai vir aos fins de semana sempre que puder e o João Vicente também.
 
Como é sua personagem?
 Faço a Marisa, que é mãe da Ana. A peça conta a história da Ana, personagem que a Julia Marini e a Cris Larin dividem. A Ana é uma crítica de
arte que passa a analisar a vida dela. E nisso volta às relações do passado. E a Marisa é o oposto da Ana. É verborrágica, não quer se aprofundar em nada, vive na superficialidade. Então, elas têm uma relação desencaixada. Quando é jovem, a Ana tem aversão pela mãe. Mas com a idade, lança um olhar mais generoso para a mãe. Começa a compreender.
 
Você que escolheu a personagem?
Na verdade eu não quis nada. Ela pulou para mim com os olhos fechados [risos]. Foi no processo. O Jô falou, “eu pensei de você ler hoje isso”, e ela foi se estabelecendo nos ensaios.
 
Qual a importância para você, uma atriz de televisão conhecida no mundo todo, fazer uma peça assim?
Fazer uma peça assim é muito importante para mim, Miguel. Um é que eu não estou acostumada a isso e isso é muito bom. Eu entro em contato com outro lugar, outro tipo de atores, outras realidades. Eu estou produzindo também. Compartilho isso com eles. É enriquecedor e delicioso o nosso processo caótico de liberdade.
 
Mas muitos por aí pensariam que você poderia estar fazendo um teatro comercial, enorme, e não um teatro pequeno, alternativo.
Mas eu faço justamente porque não acho pequeno. Acho este teatro que estou fazendo de um valor gigantesco. Eu tenho nos últimos dez anos intercalado teatro e novela. Estou querendo produzir mais teatro.
 
Por quê?
Por que quero trabalhar como atriz o resto da minha vida. Eu comecei muito cedo, Miguel, você sabe. Sempre fui muito receosa com minha profissão. Quando fiz 28, 29 anos, naquela época que a gente se conheceu, eu falei para mim: “É isso. É minha profissão. Tenho de investir cem por cento nela”. O teatro me ajuda a construir essa atriz que eu quero ser. Quero ser uma atriz diversa, que consiga brincar com vários gêneros. E o teatro sempre foi muito generoso comigo neste sentido.


tais araujo foto bob sousa 2013 2 Taís Araújo mergulha no caótico do coletivo teatral em busca de identidade e autonomia artística
 
 
Caixa de Areia Quando: Sexta e sábado, 21h, domingo, 20h. 70 min. Até 15/12/2013
Onde: CIT-Ecum (r. da Consolação, 1623, metrô Paulista, São Paulo, tel. 0/xx/11 3255-5922)
Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)
Classificação etária: 14 anos
 
Fonte: R7

Ruth de Souza, Zezé Motta e Taís Araújo refletem sobre a presença do negro nas últimas décadas na TV




Zezé Motta, Ruth de Souza e Thaís Araújo são estrelas da TV
Foto: Ana BrancoRIO - Sentada ao lado de Ruth de Souza e Zezé Motta em um café no Jardim Botânico, Taís Araújo assume estar diante de duas de suas maiores referências na carreira.
— Eu só estou aqui (trabalhando como atriz) porque essas duas mulheres persistiram — afirma uma falante Taís.
Com protagonistas e outros papéis marcantes, a atriz, que completa 35 anos no dia 25, representa, ao lado de Ruth e de Zezé, um retrato da mulher negra na televisão. São atrizes de diferentes gerações que conquistaram lugares de destaque na dramaturgia nacional.
— O ganho das gerações que vieram depois da minha é ver atores negros de todas as idades trabalhando, inclusive os mais jovens. Hoje temos várias meninas novinhas e adolescentes no ar que servem de referência para as crianças. A identificação mais próxima que eu tinha antes de estrear era a Zezé, que é de outra geração — analisa Taís.
O panorama mudou, dizem as três. E é diferente do vivido por Ruth em seu começo de carreira, na década de 1940. Primeira negra a atuar no palco do Teatro Municipal do Rio, ela abriu espaço para outros artistas e fez parte do grupo de pioneiros que estiveram nas transmissões iniciais da televisão, na TV Tupi. Filha de um lavrador com uma lavadeira, Ruth cresceu com o desejo de se tornar atriz, apesar de ouvir de todos que não havia outros artistas com a sua cor de pele.
— Faziam piada quando eu dizia que queria ser artista — recorda a veterana, de 92 anos de idade, que, ao estrear, driblou a falta de espaço integrando o grupo de Teatro Experimental do Negro: — Apesar de tudo, não me queixo. Desde que comecei, nunca parei.
Ruth coleciona trabalhos históricos em tramas como “A cabana do Pai Tomás” (1969) e “Sinhá Moça” (1986), onde atuou ao lado de Grande Otelo.
— Quando fiz “A cabana do Pai Tomás” o público reclamou muito e tiveram que tirar o meu nome dos créditos. Já passei por outras situações de preconceito como essa. Antes, eu havia tentado uma vaga como atriz numa novela na Rádio Nacional e não consegui. Disseram que não tinha papel para uma negra. Mas a voz do negro é diferente? — ironiza Ruth.
Apesar de já ter chegado no vídeo depois de nomes como o da própria Ruth e o de Léa Garcia, Zezé, de 65 anos, também precisou conquistar o seu lugar. A atriz afirma ser “de um tempo em que só tinha um ou, no máximo, dois negros em cada produção” da televisão.
 
— Só víamos muitos negros numa mesma novela se o assunto fosse escravidão — aponta Zezé.
Ela conta que se já estivesse no ar, Neusa Borges, que é da mesma faixa de idade, não seria escalada. E cita ainda o caso de Zózimo Bulbul (1937-2013). Se ele fosse chamado para uma novela, as chances de Antônio Pitanga diminuíam.
— Hoje vemos de seis a oito negros ao mesmo tempo num mesmo folhetim. E com papéis variados — destaca Zezé, antes da fazer mais uma ressalva: — Mas se nos basearmos no número de negros do Brasil, a representatividade na TV ainda é muito pequena.
No ar atualmente na série “Copa Hotel”, no GNT, Zezé trabalhou em mais de 20 novelas em pouco mais de 40 anos de carreira. Atriz e cantora, foi a Xica da Silva do filme de Cacá Diegues, de 1976. Na TV, já contracenou com Ruth em “Corpo a corpo” (1984). Interpretou a filha da colega numa trama que marcou sua carreira. Fazia uma jovem de classe média que tinha um romance com o personagem de Marcos Paulo (1951-2012). O relacionamento não foi bem recebido por parte do público.
 
— Teve gente que me dizia: ‘Eu mudo de canal quando você aparece ao lado do Marcos Paulo’. Outras pessoas falavam que não acreditavam na veracidade do casal — lembra Zezé, que também já passou por situação semelhante na vida real: — Tive um namorado branco, e a família dele aceitava. Mas foi só a gente decidir de se casar para começar uma confusão. A mãe dele foi parar no hospital e não teve casamento.
Entre um gole e outro de capuccino, Ruth conta nunca ter vivido um romance inter-racial nas novelas. Com Taís, a experiência foi outra. Ela sentiu a mudança positiva no comportamento do público em “Da cor do pecado” (2004). A novela trazia a atriz como a primeira protagonista negra de um folhetim da Globo. Preta, a personagem, se relacionava com Reynaldo Gianecchini, e contava com grande torcida.
— Lembro que fui conversar com a Zezé antes dessa novela, e ela disse que era para eu me preparar. Mas o casal funcionou e até hoje é lembrado pelas pessoas. Foi uma mudança — destaca Taís.
 
A atriz é a cara de uma geração que chegou à TV numa fase mais avançada. É dela o título de primeira protagonista negra de um folhetim, em “Xica da Silva” (1996), exibida pela extinta Manchete. Antes de Taís, somente Yolanda Braga teve um papel principal, em “A cor da sua pele”. Mas o folhetim, de 1965, ainda fazia parte de uma era inicial da TV.
Taís também foi a primeira protagonista negra do horário nobre da Globo, em “Viver a vida” (2010). Mas não gosta de se vangloriar com esses títulos.
— Foi importante, mas acho chato isso de ‘a primeira isso’ ou ‘a primeira aquilo’. Serve para quê? Eu cheguei num lugar confortável. Mas será que vamos avançar ou que eu vou simplesmente parar no almanaque da TV brasileira? Sinto falta de autores e diretores negros na televisão. A nossa história é sempre contada pelo ponto do vista do outro.
Questionada desde muito jovem sobre a presença dos afrodescendentes na TV, Taís admite que hoje se sente mais segura para tratar do assunto.
— Só hoje eu me sinto mais preparada e segura para falar sobre as questões do negro. Apesar de ser filha de pai economista e de mãe pedagoga, o meu discurso de afirmação e a minha identidade negra eram frágeis. Fui criada na Barra da Tijuca, e o meu referencial era outro. Apurei o meu olhar sobre o assunto aos poucos. O Lázaro (Ramos, marido da atriz) é um cara que já vinha com um discurso político mais pronto e também me ajudou nesse processo — relata.


Fonte:   Oglobo
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