Se quando criança Taís Araújo queria virar uma heroína, o sonho deve ter sido realizado com “Cheias de Charme”.
Para dar vida a Penha, a atriz se monta em figurino multicolorido, usa e
abusa da maquiagem em shows e chega até mesmo a voar pendurada por
cabos. Popular ao extremo, a personagem exige jogo de cintura para
oscilar entre o drama e a comédia. Ao mesmo tempo em que é uma mãe de
família dedicada, a Empreguete tem tiradas hilárias e vive brigando com o
malandro Sandro (Marcos Palmeira). A rotina é pesada: além de gravar as
cenas da trama, Taís tem de gravar as músicas em estúdio – todas as
canções têm as vozes das atrizes – e ensaiar coreografias criadas por
Fly.
Além disso, em breve ela poderá ser vista na reprise de “Da Cor do Pecado”,
no “Vale a Pena Ver de Novo”. “Só tenho boas lembranças dessa novela.
Eu falo dela e meu sorriso abre. Ao contrário de outros trabalhos, neste
as relações permaneceram depois do final”, conta a Taís, que estreou
com Xica da Silva, na extinta Manchete, e só voltou ao papel de
protagonista anos depois. “Foram 7 anos fazendo personagens pequenos,
até que veio ‘Da Cor do Pecado’. Para mim, não poderia ter sido de outra
maneira. Não dá para transformar uma menina de 17 anos em eterna
protagonista. Eu tinha de diminuir para crescer”. Modesta,
simpaticíssima e sem fugir de nenhuma pergunta, a atriz conversou com a
coluna.
IG: Já cantava antes de “Cheias de Charme”?
TAÍS ARAÚJO: Muito, só que no chuveiro! (risos) Faço aula de cantos há
muitos anos, sempre nos intervalos entre uma novela e outra. Mas nunca
fiz focando em cantar, só para ajudar na fala dos personagens mesmo, na
parte de controle vocal. Até adoraria poder fazer um musical, não tenho
potência vocal nem segurança pra isso.
IG: Ao contrário de sua última personagem, Helena, de “Viver a
Vida”, a Penha de “Cheias de Charme” é bem popular. Tendo nascido no
subúrbio foi mais fácil compor a personagem?
TAÍS ARAÚJO: Minha vida é o subúrbio do Rio. Morei lá até os oito anos,
depois vim morar na Barra da Tijuca. Minha referência de subúrbio é
muito forte, até hoje tenho grandes amigas que moram na Baixada, em
Curicica, que é aqui perto do Projac… Mas muito da composição da Penha
não veio somente da convivência, mas, sim, da observação. Às vezes tenho
vergonha de mim do tanto que fico olhando as pessoas na rua. Chego a
parecer mal educada, porque não percebo que estou observando por muito
tempo. Fico encantada com o comportamento das pessoas ao meu redor,
quero saber mais. A observação cotidiana é meu maior material de
trabalho.
IG: Sendo casada com um ator (Lázaro Ramos), pratica esse exercício junto?
TAÍS ARAÚJO: A gente se aponta de vez em quando, mostra um tipo que
chame a atenção, mas não sempre. Nem é de propósito que faço isso, é
mais uma mania. Para compor a Penha, muita coisa veio de gente não
conheço. O “linda de bonita”, por exemplo, veio através da empregada do
Miguel Roncato (que vive Samuel na trama das sete). Ela me
mandou um recado por ele, dizia que adorava a Penha e que tinha esse
bordão. Daí no bilhete pedia pra eu usar um dia na novela em homenagem a
ela. Fez tanto sucesso que os autores já incorporaram no texto. Daí já
vieram outras expressões como “chique de famosa”, “burra de estúpida”…
Virou uma marca da personagem. Mas também uso muita coisa de gente
conhecida. A Ellen, de “Cobras & Lagartos”, tinha muito isso. Eu
pegava o que achava de mais patético em mim e em alguns amigos e
colocava ali, já que ela era meio louca.
IG: Desde o começo da novela você não se furta de aparecer na
pele de Penha fazendo caras e bocas, falando errado. Foi difícil perder
o pudor?
TAÍS ARAÚJO: Tenho zero pudor. Não dá para ter pudor quando se é ator. Uma vez, a Camila Amado (preparadora de elenco)
me falou uma frase que ela atribui ao Walmor Chagas: “O personagem
existe pra evitar o constrangimento”. E é isso mesmo. O personagem
permite que a gente possa fazer tudo, especialmente um de composiçao
como a Penha. Eu não acho que ela não tenha vaidade. É que a vaidade
dela passa por outro lugar. Outro dia mesmo, gravei uma cena praia e
falei pra produção: “Quero passar blondor no corpo”. Ninguém entendeu
muito na hora, mas é isso: essa mulher passa dourapelos para se
bronzear. Acho que a Penha é mais popular, sim, mas não se pode ter
preconceito, especialmente quando o assunto é português errado dela. Às
vezes, a gente fala errado também. Aqui no Rio, falamos muito “tu sabe”,
“tu vai”… A conjugação é errada, mas é um hábito, qualquer um fala
assim. É legal falar errado? Não. Mas tenho minha liberdade artística de
achar que pela falta de possibilidade a Penha fala assim. Ela é uma
mulher que teve de trabalhar muito cedo para sustentar os irmãos e
colocar comida dentro de casa, por isso não pode estudar mais. E isso
não é gracinha, não, porque, infelizmente, a maioria da população
brasileira vive assim. É a realidade.
IG: A personagem mexeu com sua vaidade?
TAÍS ARAÚJO: Se tem uma coisa que não busco com ela é ser a gostosona. A
Penha não é aquela mulher esteticamente perfeita. Tanto que faço
questão de rodar muitas cenas com maquiagem zero. Agora que ela ficou
rica na novela, minha luta é a mesma. Ela ficou rica, mas não perdeu a
identidade. Ela fica à vontade em casa, não está produzida sempre. Por
mais que a Ivete Sangalo seja uma estrela, duvido que em casa ela fique
24 horas maquiada! Com a Penha não seria diferente.
IG: Ao mesmo tempo em que te dá grandes cenas dramáticas,
Penha também tem um pé na comédia. É um desafio conciliar os dois
gêneros de interpretação?
TAÍS ARAÚJO: Nem acho um desafio, não, é mais que isso. É quase
inacreditável ter um personagem assim. O mérito é todo dos autores. Na
estrutura dramatúrgica da novela, os personagens estão sempre cumprindo
funções, uns de fazer rir, outros chorar. A Penha não tem isso. É um
papel que às vezes é mocinha sofredora, às vezes a mulher da comédia e
também é uma heroína. Ela tem uma complexidade, é tão rica
dramaturgicamente, que me permite passear por todos esses gêneros.
Olhando para a minha carreira, acho que só Xica da Silva era um pouco
assim também. Mas eu era muito verde naquela época, nem sabia o que eu
estava fazendo direito.
IG: O que faria de diferente se tivesse de reviver Xica da Silva?
TAÍS ARAÚJO: Acho que aprofundaria mais cada cena, exploraria mais a
comédia e o drama. Naquele tempo eu não tinha muito essa noção, era
muito jovem, mas estou conseguindo exercitar isso com a Penha, que é um
personagem muito raro de se encontrar. Para mim ela é um grande parque
de diversões! Igual trancar uma criança numa brinquedoteca, sabe? Nunca
olhei para a Penha como uma heroína clássica. Para mim, ela é uma mulher
muito real. Tem dias que chego no estúdio para fazer uma cena dramática
e até brinco: “Vou fazer novela das oito hoje”. (risos) Mas também já
fiz muita bagaceirice. Ela é tão complexa que poderia estar num filme,
por exemplo.
Com Isabelle Drummond e Leandra Leal, as Empreguetes
IG: Afinal, a Penha é ou não é apaixonada pelo Sandro (Marcos Palmeira)?
TAÍS ARAÚJO: Para mim, ela é louca por ele. Eu a faço assim, pensando
que ela o ama, tem filho com ele e dá muito valor à família. Construí
uma historinha na minha cabeça de que ele foi o único homem que ela teve
na vida, aquele namorinho de adolescência, que ficou sério e acabou em
casamento. Mas, agora que ela ficou rica, enxergou um outro mundo e
aprendeu coisas novas, acho que começou a ter um olhar mais crítico. A
Penha aprimorou o olhar dela, isso mexeu com ela. Mas prefiro não dar
pitacos sobre com quem ela vai acabar.
IG: Na rua as pessoas te abordam para falar mal do Sandro?
TAÍS ARAÚJO: É uma tristeza falar isso, mas eu só trabalho. (risos)
Tenho saído muito pouco. As opiniões que eu tenho são das pessoas do
trabalho e lá de casa, mas já percebi que a maioria prefere o Otto
(Leopoldo Pacheco). Pelo Twitter também percebo que as pessoas não
admitem que o Sandro faça o que faz com a Penha. Antes até havia uma
grande simpatia por ele, mas, a partir do momento em que ele pirateou o
DVD das Empreguetes, a coisa mudou de figura. Foi sério demais.
IG: As Empreguetes fazem um enorme sucesso com o público infantil. Seu filho também é fã?
TAÍS ARAÚJO: Meu filho é muito pequenininho, brinco que ele vê muito
mais “Cocoricó” do que a novela. Mas às vezes deixo ele na sala enquanto
a trama está no ar e ele adora ver a abertura, com os bonequinhos. Acho
que ele não consegue absorver tanto ainda, mas se fosse maiorzinho
certamente acharia que eu sou uma heroína. Já até voei num show! (risos)
A gente percebeu o sucesso com o público infantil de maneira muito
forte no “Criança Esperança”. Foi muito emocionante e revelador do que
está acontecendo mesmo. Botaram a gente dentro de uma caixa e, no meio
do palco, ela abriu. As crianças enlouqueceram. Foi uma sensação real da
felicidade delas, foi incrível. Naquela hora percebemos que há uma
mistura entre realidade e ficção e elas estavam ali para ver Penha, Cida
e Rosário no palco.
IG: Muitas crianças devem imitar as Empreguetes hoje em dia. Você era dessas que cantava em frente ao espelho?
TAÍS ARAÚJO: Outro dia mesmo falei isso! Lembrei de que, quando eu era
pequena, colocava um ursão atrás de mim e botava o disco do Balão Mágico
para fazer o clipe do “Ursinho Pimpão”. (risos) Lembro que o Castrinho
colocava o urso atrás da Simony enquanto ela cantava e eu tentava fazer
igualzinho em casa. Essas crianças estão fazendo exatamente o que eu
fazia há muitos anos.
IG: Cobram muito que as Empreguetes continuem depois da novela?
TAÍS ARAÚJO: As pessoas cobram o tempo inteiro. Mas não tem chance
disso. As Empreguetes estão numa novela, que é uma obra de ficção. Elas
só existem das 7h30 às 8h30 da noite, de segunda a sábado. Mas é bom
saber o quanto estão gostando delas.
IG: A Globo vai reprisar “Da Cor do Pecado”, primeira novela
de João Emanuel Carneiro, da qual você foi protagonista. “Cheias de
Charme” é também a trama de estreia de Felipe Miguez e Isabel de
Oliveira. Acha que pode ser considerada um talismã dos novos autores?
TAÍS ARAÚJO: Talismã nada! Eu tenho é muita sorte por poder trabalhar
com um povo cheio de gás, com história para contar. Tenho mais sorte do
que dou sorte! “Cheias de Charme” é uma delícia de fazer, uma novela com
escalação muito precisa, texto bacana, direção cuidadosa. A gente nunca
sabe se o bolo ficou bom antes de provar, mas esse bolo não solou. Deu
muito certo. Não há uma fórmula para uma novela fazer sucesso, mas eu
acho que o Felipe e a Isabel têm uma maneira de ver a classe C que é
muito bonita e respeitadora e ao mesmo tempo não têm pudor em escrever o
que acontece. Não lembro de ter visto na tela coisas tão reais quanto
alguém falando da obra na casa, falando da dívida do cartão de crédito e
tentando renegociá-la. São coisas tão comuns, que transmitem nosso
cotidiano. E o João Emanuel Carneiro é um talento, que me deu grandes
presentes. Prova disso é o sucesso de “Avenida Brasil”.
IG: Tem assistido “Avenida Brasil”?
TAÍS ARAÚJO: Vejo muito pouco por causa do trabalho, mas quando tenho
tempo para em frente à TV. Eu amo odiar a Carminha! (risos) E, acima de
tudo, amo a Adriana Esteves, que é muito minha amiga e está fazendo um
trabalho de entrega tão grande. Além disso, Carminha é muito bem
escrita. O texto super redondo. Também sou louca pelo Leleco e tenho
crises de riso quando ele aparece! Adoro! A novela toda é muito bem
feita, muito bem dirigida. É tudo muito bem cuidado, parece um filme.